By O Cão Engarrafado Dama-da-noite tem cheiro de dente quebrado. Não para todo mundo, mas para mim. Sempre que sinto o aroma da flor, passo discretamente a língua sobre minha arcada, enquanto sinto um descompasso de alívio no coração. Ufa, é só a flor, nada caiu dessa vez. É que aos oito anos de idade, quebrei um dente. Corria no jardim da minha avó, ao entardecer, ao lado de alguns vasos de dama da noite. Lembro-me vividamente da luz crepuscular, do aroma de jasmim, e do desequilíbrio sucedido pelo apagão e o gosto de ferrugem na boca. Até hoje, se sinto o aroma de dama-da-noite, sou remetido, involuntária e automaticamente àquela lembrança.
A memória olfativa é algo poderoso. Essa clareza de reminiscência tem um nome. Fenômeno Proustiano. É uma homenagem ao escritor francês Marcel Proust, que descreveu em seu “Em Busca do Tempo Perdido” como o aroma de biscoitos molhados no chá remontava a casa de sua tia. A ciência, inclusive, já se debruçou sobre este fenômeno. De acordo com pesquisadores ingleses, a vividez de lembranças trazidas por odores ocorre por conta de nossa conformação cerebral. A região do cérebro que processa odores está situada no interior do sistema límbico, ligado às emoções.
E essas emoções são tão fortes que podem guiar vidas. Como a do perfumista Roja Dove “Num momento específico há muito perdido, uma molécula fragrante entrou em meu ser e me mudou completamente, meu destino foi forjado, a trilha galvanizada. Não há outro caminho a se trilhar senão aquele da perfumaria, e ao longo desta colorida estrada de tijolos, encontrei o trabalho de gênios poderosos, que permitem que sua criatividade façam parte de nosso núcleo, nosso ser, nosso ‘id’ – quando nos congela em nossos caminhos, traz lágrimas aos olhos ou sorrisos às faces. Como alguém pode não gostar de perfumaria?”
É inegável que o olfato também desempenha um papel crucial na apreciação do whisky. É por meio dele que podemos perceber a maioria de suas características sensoriais. Aliás, quase todas. O resto é doce-amargo-salgado-azedo-umami. Então, faria todo sentido convidar um famoso perfumista internacional – Roja, acima mencionado – para auxiliar no processo de criação de um whisky. E foi justamente isso que a prestigiada The Macallan fez, com seu Macallan Edition No. 3, que chega ao Brasil em quantidades bastante limitadas.
Nas palavras da The Macallan “Roja trouxe sua habilidade para a destilaria e o processo criativo, cheirando uma série de amostras de uísques para fornecer seus pensamentos e interpretação do caráter e dos aromas que encontrou. A articulação de aromas de Roja foi então usada na criação do whisky para selecionar notas dominantes que moldam o caráter final da Edição No.3.”
A variedade de barricas utilizadas para compor o Macallan Edition No. 3 demonstra o zelo do perfumista. São botas (isso é um tipo de barril) da tanoaria espanhola Hudosa, barricas de carvalho americano de primeiro uso, barricas de carvalho europeu e americano de refil, barricas de primeiro uso preparadas pela tanoaria Tevasa; barris de carvalho europeu, hogsheads de primeiro uso de carvalho americano que antes contiveram bourbon, e barris de primeiro uso de bourbon. Ou seja, sem nomes próprios, formatos e tamanhos: barricas de primeiro uso e refil, tanto de carvalho europeu quanto americano. Pronto.
Refletindo atentamente sobre as características sensoriais de cada barrica, a impressão é que o The Macallan Edition No. 3 é uma espécie de variação de nosso conhecido Fine Oak. Mas sensorialmente, são expressões relativamente diferentes. A começar pelo perfume. Como era de se esperar, um dos pontos altos do Macallan Edition No. 3 é seu aroma. Talvez, para este Cão, um dos mais interessantes dentre os recentes lançamentos da The Macallan. No nariz, o whisky traz o tradicional vinho jerez, com mais baunilha e caramelo. Seu sabor, por sua vez, é cítrico e floral, com laranja e mais baunilha e caramelo. O final é longo e adocicado.
As edições numeradas da The Macallan, conhecidas simplesmente como “The Edition Series”, são lançamentos anuais limitados, que exploram a visão da Macallan sobre a produção de whisky, e expões detalhes sobre sua criação. Muitos deles contam com participação de personalidades de outras áreas do conhecimento, como o Edition No. 2 e os irmãos e chefs por trás do mundialmente famoso restaurante El Celler de Can Roca. Segundo a própria destilaria “No coração das Edition Series está nosso desejo em inovar, em ultrapassar as barreiras e desafiar expectativas na criação, experiência e prazer de The Macallan.”
A The Macallan, em seu website internacional, diz “Em seguimento à história dos nossos barris de carvalho e a obsessão pela madeira que é fundamental na criação de todos os The Macallan, a Edição Series oferece a liberdade de olhar para além dos estilos tradicionais de barril usados em outros The Macallan. (…) Colaborando com parceiros de diferentes áreas de especialização, cada lançamento da série é um indivíduo – um verdadeiro casamento entre a maestria da The Macallan e a influência única de diversas origens no processo de fabricação de whisky.“
Se você procura um whisky oleoso, vínico, mas ainda assim extremamente equilibrado e com um perfume fantástico, o The Macallan Edition No. 3 é seu achado. Mas corra, porque – de acordo com Maurício Leme, brand manager da marca no Brasil – apenas algumas poucas garrafas desembarcaram. E seria uma pena deixar de experimentá-lo. Afinal, este é um single malt que ficará em sua memória olfativa por muito, muito tempo.
THE MACALLAN EDITION NO. 3:
Tipo: Single Malt sem idade definida
Destilaria: Macallan
Região: Speyside
ABV: 48,3% (aqui está um easter egg para você. A edição no. 1 possuia 48,1%, a segunda, 48,2% . O que será que vai acontecer na 10?)
Notas de prova:
Aroma: jerez, baunilha, caramelo. Um pouquinho de coco. O equilíbrio é incrível – pode-se facilmente fragmentar o aroma apenas atentando para cada um.
Sabor: Caramelo, pimenta do reino. Vinho fortificado. Baunilha. O final é adocicado e longo, com certo apimentado.
Disponibilidade: Lojas brasileiras (média de R$ 600,00 – seiscentos reais)